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País enfrenta encruzilhada entre abrir novas áreas ou ter de importar derivados

Margem Equatorial pode ajudar a suprir demanda que seguirá crescente pelo óleo, inclusive interna, mas ônus ambiental deixa exploração em escrutínio público quando Brasil é sede da COP30

Enquanto discute a exploração de novas fronteiras de petróleo, como a da Bacia da Foz do Rio Amazonas, na Margem Equatorial, que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte, o governo federal trabalha na estratégia de redução de emissões. A estratégia de mitigação às mudanças climáticas deve ser definida antes do início da conferência climática da ONU, a COP30, que irá ocorrer em Belém (PA) de 10 a 21 de novembro. Com o objetivo de promover e monitorar políticas e ações setoriais para que o país zere as emissões líquidas em 2050, a estratégia está em consulta pública até 9 de maio.

No fim da década, o Brasil deverá se tornar um dos cinco maiores produtores de petróleo do mundo, com mais de 5 milhões de barris diários produzidos em grande parte de poços do pré-sal, que responde por três quartos da produção nacional. Um quadro bem diferente do visto há 25 anos. Em 2000, as importações de petróleo brasileiras chegaram a responder por 12% dos US$ 55 bilhões que o país comprou de produtos no exterior e geraram um déficit setorial de US% 7 bilhões. Em 2006, o país atingiu a autossuficiência, com a produção superando a demanda interna. Com a exploração do pré-sal, o petróleo se tornou o maior item exportado em 2024, com US$ 45 bilhões (13% do total embarcado no ano passado em valor), e as importações somando US$ 15 bilhões (5% do total).

Uma das decisões sobre o futuro da transição energética brasileira é sobre as descobertas recentes de petróleo na Margem Equatorial, que ganhou destaque há pouco mais de uma década quando o governo da Guiana anunciou a incorporação de 11 bilhões de barris em reservas com a exploração de poços ali. O vizinho Suriname encontrou cerca de 4 bilhões de barris.

Estudo interno da Petrobras indica que o bloco que a estatal tenta licenciamento ambiental para exploração na Margem Equatorial tem potencial de ter 5,6 bilhões de barris de óleo. Trata-se de um possível incremento de 37% nas reservas de petróleo brasileiras, atualmente em 14,8 bilhões de barris. A continuidade das atividades de exploração e produção está suspensa por determinação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“O mundo até 2050 continuará demandando petróleo. Mas, se tivermos sucesso na exploração, não podemos melhorar? Não podemos inovar em uma governança local, fundo para reflorestamento, recursos voltados para investimentos em fontes renováveis? Não podemos incluir outros indicadores sociais para avaliar se os investimentos estão transformando as regiões produtoras?”, questiona Clarissa Lins, sócia-fundadora da Catavento, consultoria em estratégia e sustentabilidade.

“Mesmo com os investimentos em renováveis no mundo, o petróleo responde por 80% da energia primária no planeta; a demanda por ele se manterá alta nos próximos anos. Se o Brasil não explorar uma nova fronteira, outro país poderá fazê-lo, e importar nesse cenário geopolítico instável também enseja reflexões. A grande questão é de demanda”, afirma o ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) David Zylbersztajn.

Há outro ponto: royalties e participações especiais devem atingir recordes de R$ 100 bilhões nesse ano, cifra que deve aumentar com a produção maior do pré-sal até o fim da década. Esses são recursos que financiam Estados, municípios e a União.

Divulgado em abril do ano passado, estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão estatal de planejamento, aponta que o país demandará petróleo além de 2050. O consumo de petróleo e derivados deve aumentar de 2,33 milhões de barris diários em 2022 para 2,62 milhões de barris dia em 2032, sendo que o diesel deverá registrar o maior crescimento, de 0,96 milhão de barris diários para 1,2 milhão em 2032. Caso a oferta de biocombustíveis no país fosse inexistente, a demanda nacional de derivados de petróleo seria 24% maior em 2032, e a importação líquida de derivados de petróleo seria 620 de mil barris por dia.

“Se pararmos de produzir e não irmos atrás de novas fronteiras, poderemos importar derivados com pegada ambiental maior”, analisa a diretora de Petróleo, Gás e Biocombustível da EPE, Heloísa Borges.

“Se pararmos de produzir poderemos importar derivados com pegada maior”
— Heloísa Borges

O climatologista Carlos Nobre, entretanto, avalia que as emissões não cairão no ritmo necessário enquanto essa trajetória de exploração de novas fronteiras de óleo e gás não for revertida. No ritmo atual, diz, as temperaturas globais continuarão subindo, mesmo com desenvolvimento de novas tecnologias de captura e armazenamento. “A abertura de novas fronteiras fará o mundo caminhar para 2050 com um aumento de temperatura global entre 2,5 e 3 0 C”, afirma.

Produção, importação, exportação de petróleo têm de ser vista sob os aspectos climáticos, continua Lins, da Catavento, para quem a transição energética expõe dilemas, e as concessões no setor, ganhos e renúncias que terão de ser feitas. “O que podemos fazer para melhorar e como poderemos inovar nas dimensões sociais e ambientais?”, observa.

Atualmente, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima, responde por 18% das emissões brutas do país, atrás de desmatamento, responsável por metade delas – apenas as derrubadas na Amazônia respondem por 36% das emissões brutas do país -, e da agropecuária, com 27%.

“O Brasil precisa de uma estratégia para a transição energética global”
— Natalie Unterstell

Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, um centro de estudos especializado em política do clima, ao sediar a COP30, o Brasil terá sua transição energética e sua posição geopolítica no cenário agroenergético sobre os holofotes mundiais. A transição não envolve apenas a questão do petróleo ou do uso de renováveis, mas vai mais a fundo, por exemplo na oferta e processamento de minerais críticos. Esse tema ganhou dimensão depois de a China, líder global na cadeia, ter suspendido embarques para os Estados Unidos, em retaliação à guerra comercial iniciada pelo presidente Donald Trump.

“O Brasil precisa de uma estratégia de Estado e de longo prazo para se posicionar diante da transição energética global e avaliar o que pode abrir mão e o que pode ganhar em troca e o que deve priorizar em investimentos. Isso não é uma questão de um setor, mas de toda a sociedade”, afirma Unterstell.

Fonte Valor